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As profissões e empresas que não podem abrir mão do papel

Assim como o UKHO, muitas empresas tentam tornar-se em grande parte ou exclusivamente digitais, mas encontram obstáculos.

O governo dos EUA deverá deixar de usar papel, mas isso está demorando mais do que o esperado. No ano passado, a Administração Nacional de Arquivos e Registos descobriu que um terço do governo federal ainda não tinha adotado os registros eletrônicos e a administração foi forçada a prolongar o prazo em 18 meses, até 30 de Junho de 2024.

O papel também desempenha uma função em setores mais clandestinos do governo. No Reino Unido, por exemplo, a Sede de Comunicações do Governo (GCHQ) mantém milhares de arquivos secretos em papel num cofre, enquanto o serviço de segurança do MI5 afirma no seu site: “Os arquivos em papel continuam a ser importantes para o MI5”. O Serviço de Guarda Federal da Rússia (FSO), responsável pela segurança do Kremlin, voltou a usar máquinas de escrever em 2013, supostamente para evitar vazamentos de computadores.

Separadamente, o setor de logística depende há muito tempo da papelada para documentar o trânsito de mercadorias, o que leva a pesados rastros de papel e, às vezes, a um processamento ineficiente. Embora isso esteja começando a mudar, é notoriamente difícil acabar com os registros em papel neste setor, dizem especialistas do setor.

A área da saúde também depende historicamente do papel. Das prescrições à documentação hospitalar, o papel perseverou até o século 21. Para dar um exemplo, a maioria dos lares de idosos no sudeste da Escócia ainda utilizam sistemas de gestão baseados em papel, de acordo com um estudo publicado no ano passado.

Mesmo quando os hospitais mudam para o digital, podem enfrentar o fardo de armazenar documentos históricos em papel relativos ao atendimento offline do paciente.

Na União Europeia, existem 11 países que ainda utilizam papel para receitas médicas em vez de sistemas digitais. Nos EUA, o papel continua sendo usado em algumas partes do sistema de saúde, apesar das tentativas de modernização.

Descobriu-se que 96% dos hospitais e 78% dos médicos americanos utilizavam registos de saúde eletrônicos em 2021.

O papel ainda é considerado o meio de backup sempre que os sistemas eletrônicos falham — o que, naturalmente, acontece. Após um ataque cibernético a uma pequena comunidade do Alasca em 2018, os funcionários municipais mudaram rapidamente para formulários em papel e máquinas de escrever quando os computadores ficaram offline.

Homens montando incontáveis caixas de papelãoCRÉDITO,GETTY IMAGES
Legenda da foto,
As embalagens de papelão tornaram-se cada vez mais procuradas à medida que as compras online aumentaram, enquanto muitas marcas também tentaram deixar de usar plástico

Até a Wikipédia, um gigantesco recurso on-line continuamente atualizado e editado por pessoas de todo o mundo, tem um plano de emergência chamado “Política de Gerenciamento de Eventos de Terminal”. Durante alguma possível reviravolta apocalíptica futura, como um “colapso social iminente” ou “um evento iminente de nível de extinção”, os milhões de editores da Wikipédia seriam encarregados de imprimir várias páginas da enciclopédia on-line para a posteridade — porque o papel, em última análise, é considerado confiável.

Talvez não seja tão surpreendente, então, que no episódio “The Disease” de Star Trek: Voyager, a capitã Kathryn Janeway lembre a um de seus tripulantes que o manual da Frota Estelar sobre relacionamentos pessoais tem três centímetros de espessura. Esse comentário sugere fortemente que o manual, mesmo no ano de 2375, é impresso no papel.

O papel parece ter o hábito de permanecer por perto.

Oskar Lingqvist, líder global de papel e produtos florestais da consultoria de gestão McKinsey, lembra-se do maço de 100 páginas com materiais de apresentação que ele e seus colegas levavam para reuniões com clientes. Os gráficos, os dados, todos impressos e distribuídos nas mesas da sala de reuniões.

“Esse é um segmento de uso de papel que eu diria que está quase acabando”, diz. Mas livrar-se do último recibo impresso ou formulário? “Isso vai levar muito tempo.”

O papel gráfico está encontrando nichos, como os mencionados neste texto, onde persiste. Mas a tendência geral é de um claro declínio, salienta Lingqvist. E esse declínio acelerou com a erupção da pandemia de covid-19.

“Mesmo o nosso cenário mais negativo não foi suficientemente negativo em comparação com o que aconteceu no mercado”, afirma, acrescentando que a taxa de declínio está agora ficando mais branda novamente e provavelmente regressará a uma queda anual de cerca de 5%, a nível global.

Hoje em dia são impressos muito menos jornais e revistas do que há apenas uma ou duas décadas, por exemplo, o que é um fator importante. O aumento do trabalho remoto e os esforços de sustentabilidade empresarial destinados a reduzir o consumo de papel também desempenham um papel importante.

Mas a pesquisa da McKinsey também revela que outros tipos de papel não gráficos, especialmente embalagens de papelão, estão ganhando espaço. Dados da empresa sugerem que a produção deste tipo de papel quase duplicou entre 2000 e 2020 na Europa. Na China, no mesmo período, quase quadruplicou. O boom das compras online associadas aos bloqueios da covid-19 é um dos motivos.

Embalagens para alimentos, embalagens para comércio eletrônico e papel de seda — todos esses tipos de papel são cada vez mais procurados, afirma Alice Palmer, consultora freelancer para a indústria florestal com sede no Canadá. O papel e o papelão são considerados mais sustentáveis, mas essa distinção não é tão clara como muitos pensam.

O fato de muitos retalhistas estarem, no entanto, abandonando as embalagens de plástico representa um desafio industrial para a indústria do papel porque existem duas formas principais de fabricar papel, explica Palmer. Um envolve o uso de produtos químicos para digerir a madeira até transformá-la em polpa. Isso tende a produzir papel de alta qualidade cheio de fibras fortes.

O outro método utiliza calor e ação de moagem para formar a polpa, sem auxílio de produtos químicos. O papel que você obtém desse tipo de polpa é um pouco menos robusto. Durante anos, porém, funcionou bem para jornais e brochuras.

Embora a polpa mecânica seja menos procurada hoje em algumas regiões, as fábricas que a produzem não conseguem serem facilmente convertidas para a produção de pasta química, diz Palmer. “Você tem que reconstruir a fábrica”, diz ela. “São milhões ou até bilhões de dólares em investimento.”

O papelão é muito procurado, mas requer fibras fortes, o que significa que os antigos produtores de jornais têm dificuldade em dominar o mercado de materiais de embalagem. Mas eles podem fornecer um componente-chave no papelão ondulado: “a camada ondulada no meio”, diz Palmer. A empresa papeleira canadiana Catalyst Paper, com quem Palmer trabalhou num projeto de investigação em 2015, é um exemplo de quem fez exatamente esta transição em algumas das suas fábricas.

Se você expandir “papel” para todos os seus possíveis usos, desde cadernos sofisticados até embalagens da Amazon, fica claro que o material está mais popular do que nunca. Mas a nossa dependência do papel como meio descartável para transportar alimentos ou mercadorias é problemática, diz Sergio Baffoni, coordenador de campanha da Environmental Paper Network (EPN), uma rede mundial de organizações focadas em tornar a indústria de celulose e papel o mais sustentável possível.

A EPN informa que 3 bilhões de árvores são cortadas todos os anos apenas para satisfazer a procura por embalagens. “Isso é uma loucura”, diz Baffoni. “Só jogar fora — não tem sentido.”

No Reino Unido e nos EUA, cerca de um terço dos resíduos de embalagens de papel e papelão não é reciclado. Baffoni diz que o papelão é um material de embalagem barato apenas porque o seu verdadeiro custo — para os ecossistemas e para a capacidade do nosso planeta de sequestrar carbono através da fotossíntese das árvores — é “externalizado”. Seria melhor encontrar materiais de embalagem reutilizáveis e mantê-los, sugere ele.

Mesmo os recipientes de plástico seriam preferíveis em relação ao papelão, argumenta ele, se pudessem ser usados repetidamente, do que os de papelão descartáveis.

O papel provavelmente nunca sairá completamente de moda. Mas dado que em todo o mundo derrubamos uma área de floresta maior que três vezes o tamanho do Estado de São Paulo, 800.000 km2, em apenas 60 anos, há muitos que argumentam que cortamos árvores rápido demais por algumas folhas de papel.

Outros poderiam contestar que, às vezes, vale a pena: pelo cheiro de um livro novo, pela carta manuscrita para um velho amigo ou pelos registros que devem sobreviver mesmo em um futuro apocalíptico, quando o último computador e banco de dados falharem.

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